terça-feira, 29 de setembro de 2009

ORAÇÃO DO MILHO

"Senhor, nada valho!
Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e hastes e se me ajudardes, Senhor, mesmo planta de acaso solitária, dou espigas e devolvo, em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura, não me pertence a hierarquia tradicional do trigo e de mim não se faz o pão alvo universal.
O Justo não me consagrou o pão da vida, nem lugar me foi dado nos altares, sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra onde não vinga o trigo nobre; sou de origem obscura e de ascendência pobre, alimento dos rústicos e animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques coroados de rosas e espigas; quando os hebreus iam em longas caravanas buscar na terra do Egito o trigo dos faraós; quando Rute respigava cantando nas searas de Booz e Jesus abençoava os trigais maduros, eu era apenas o Bró, nativo das tabas ameríndias.
Fui o angú pesado e constante do escravo na exaustão do eito, Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante, Sou a farinha econômica do proletário, Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha, Alimento de porcos e do triste mu de carga, o que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro, Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis, Sou o cocho abastecido donde rumina o gado, Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece, Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos, Sou a pobreza vegetal agradecida a vós, Senhor, que me fizeste necessário e humilde.
Sou o milho!"

Cora Coralina

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